Por: Muryel Lima de Oliveira
Simone de
Beauvoir: O gênero na Educação
“Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade. ” (BEAUVOIR, Simone. 1967)
Introdução
Simone de Beauvoir provocou rebuliço ao
publicar Le Deuxième Sexe em 1949. Ela critica os aspectos de diversas
culturas, ciência e religião o papel da mulher ou fêmea e do homem ou macho.
Com base em seus textos apresentamos o gênero na educação atual. Citada por
Rousseau, na obra Emílio, a educação deveria ser distinta entre homens e
mulheres, pois, os homens tinham habilidades para o cálculo, a filosofia, a
economia, a política, as artes marciais, ciências e esportes, enquanto as
mulheres eram destinadas ao ensino de línguas, música, arte – desde pintura a
bordados – e aos cuidados com a casa, como se portar em sociedade – que seria
um misto de filosofia e política, pois uma boa anfitriã discutia, mesmo que
frivolamente, sobre tais assuntos – e aos cuidados dos filhos. Esses aspectos
cabiam as mulheres de classe alta, enquanto as menos favorecidas economicamente
se contentavam em saber bordar, limpar e cozinhar.
Muitos pais não permitiam que as filhas
aprendessem a ler e escrever, era dado ao filho homem esse privilégio. Tanto
por ignorância como por falta de condições financeiras. Contudo, nos tempos
atuais vemos, de forma um pouco modificada, os mesmos hábitos que privam as
mulheres de certas oportunidades. Como o famoso “trabalho de mulher” e
“trabalho de homem”.
Vemos, ainda, no curso superior
preconceito quando uma mulher escolher cursar um curso predominantemente
masculino, como engenharia, direito, medicina, agronomia etc. São pensamentos
que veem sendo construídos desde a mais tenra idade, na educação infantil
quando dizemos para uma criança agir como um determinado sexo: “senta como
menina”, “brinca com carrinhos, e não bonecas”.
O gênero nos livros
e na educação infantil
Cláudia T. G. de Lemos cita a obra de
Beauvoir, Memórias de uma moça bem comportada, 1958, quando a filósofa fala da
forma com que o pai – do qual nutria profundo amor e admiração – esperava que
ela fosse: “Simone tem um cérebro de homem. Simone é um homem”, dizia o pai com
orgulho, “No entanto, eu era tratada como menina”. E o que causaria essa
imposição de ideias em uma criança? Ela passaria então a detestar sua condição “inferior”?
Lemos relata mais adiante em seu texto que:
“Ser tratada como menina só podia então ser percebido através dos limites que impunham a seu cérebro de homem: só os rapazes tinham acesso à escola pública e a professores que discorriam sobre literatura e a filosofia proibidas. Limites que apontavam para a contradição da fala paterna, empurrando o ser mulher para uma zona obscura”. (LEMOS, Cláudia. 1999)
Com isso, se pararmos para pensar em tudo
que envolve crianças em um mundo de adultos é milimetricamente planejado para
que os pequenos sigam uma linha “segura e confiável” de ideias que nós adultos
achamos cabíveis para um bom desenvolvimento ou por métodos de conduta que são
aceitavelmente impostos sem serem contrariados, podemos ver que nós como
adultos “fazemos nossas crianças”. A literatura infantil analisada no artigo de
WIKE mostra claramente os ideais femininos e masculinos dos quais as gerações,
uma após a outra, vem sendo treinada a seguir. A autora diz:
“Dessa forma, os livros infantis são transmissores de comportamentos socializadores, nas diferentes etapas de formação das crianças, e estereótipos de gênero (comportamentos esperados das meninas e dos meninos pela sociedade) também são difundidos por meio dos textos e imagens dos livros infantis. ” (p. 345)
Ela fala ainda, (p. 346) que é importante
a busca para que as crianças tenham acesso a uma literatura igualitária,
baseada nos princípios de não-violência e não-discriminação. E que, a criança constrói
imagens do papel do homem e da mulher através dos pais – e também através dos
cuidadores –, e não somente isso, forma sua própria autoimagem baseada no
estigma do que é esperado profissional e psicologicamente das mulheres e dos
homens. E assim nossa educação apesar de uma vã tentativa de ser igualitária,
acaba repetindo os mesmos erros das gerações anteriores.
Foram avaliadas as seguintes obras: As
aventuras do avião vermelho, de Erico Veríssimo; O boné que não largava o pé,
de Mary Weiss; A toca da coruja, Walmir Ayala e A bolsa amarela, Lygia Bojunga
Nunes. Todas as histórias respondiam a um estereótipo de gênero, em que o
menino era agitado, levado, criativo, sagaz, briguento até certo ponto e a
menina era curiosa, porém tranquila ou parada. A personagem Raquel de A bolsa
amarela se questionava o porquê de os homens terem mais privilégios que as
mulheres, quando a irmã mais velha foi privada de estudar para que o irmão pudesse.
E ainda todas as personagens femininas como mães, tias, cozinheiras e avós eram
retratadas sem nome e por vezes de forma fragilizada enquanto esperavam os
filhos chegarem, serviam-lhes a janta pediam para que não se arriscassem tanto
e só. Os pais das histórias trabalhavam, e com isso eram frios e distantes,
aparecendo para ou relhar com os pequenos, ou lhes passar a mão na cabeça. Tais
livros ainda são encontrados em circulação nas bibliotecas, e com isso as
crianças tornam a se iludirem com a falsa ideia de normalidade nas histórias
porque “assim é e sempre foi...”.
ALMEIDA, cita O Segundo Sexo quando diz
que em sua obra, Beauvoir antecipa diversas questões de gênero, uma delas ao
dizer:
“Quanto mais a criança cresce, mais o universo se amplia e mais a superioridade masculina se afirma (...). A hierarquia dos sexos manifesta-se a ela [à menina] primeiramente na experiência familiar; compreende pouco a pouco que, se a autoridade do pai não é a que se faz sentir mais cotidianamente, é entretanto a mais soberana; reveste-se ainda mais de brilho pelo fato de não ser vulgarizada (...); A vida do pai é cercada de um prestígio misterioso: as horas que passa em casa, o cômodo em que trabalha, os objetos que o cercam, suas ocupações e manias têm caráter sagrado. Ele é quem alimenta a família, é o responsável e o chefe. Habitualmente trabalha fora e é através dele que a casa se comunica com o resto do mundo: ele é a incarnação; ele é a transcendência, ele é Deus. ”
Nos dias atuais ainda vemos famílias dessa
forma, que Beauvoir descreve tão fielmente. Poderíamos dizer assim que a
educação – tanto no lar quanto na escola – repete um ciclo vicioso desde dos
anos 60? Sim, embora ela tenha evoluído consideravelmente ainda permanece com
resquícios do passado.
O que nós educadores podemos fazer para
mudar ou amenizar tais sinais alarmantes de que ainda produzimos a diferença de
gênero? Além da escolha de obras adequadas, como cita WIKE, uma conscientização
dos direitos igualitários e sem preconceitos. Menino pode sim ser calmos,
menina pode sim ser agitadas e arteiras, por que? Porque são crianças, não
adultos em miniatura como pregávamos antes do movimento escolanovista. Afinal,
não pretendemos criar crianças repletas de preconceitos de gênero e raça, em
que a desumanização é totalmente cabível e indiscutível, pois como diz Beauvoir
citada no artigo de SILVA, “os que fizeram ou compilaram as leis, por serem
homens, favoreceram o seu sexo”.
Portanto, sem que haja a comparação com os
preceitos gregos, que a mulher era associada as deusas e todas as suas
qualidades também lhes foram atribuídas as características de: crueldade, poder
e capricho para com os homens. Como educadores devemos humanizar nossas
crianças, pois o ensino é uma rede, quando um aprende passa para o outro, e
assim por diante. Com isso, ao conscientizarmos os pais através de atividades
lúdicas com as crianças de que pode-se tudo, sem limitações de gênero, teremos
cidadãos melhores, aptos a trilhares o caminho das novas gerações.
Referencia
ALMEIDA, Marlise M. de M. Simone de Beauvoir: Uma luz
em nosso caminho. Cadernos Pagu. Campinas, SP. n.12. 1999. p. 145-156.
Disponível em:
< http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634811 >.
< http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634811 >.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: 1. Fatos e mitos.
Difusão Europeia do livro. São Paulo, SP. Ed. 4. 1970.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: 2. A experiência
vivida. Difusão Europeia do livro. São Paulo, SP. Ed. 2. 1967.
LEMOS, Cláudia T. G. de. De como uma moça bem
comportada se torna Simone de Beauvoir. Cadernos Pagu. Campinas, SP. n.12.
1999. p. 69-78. Disponível em:
< http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634693 >.
< http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634693 >.
ROUSSEAU, Jean J. Emílio ou da Educação. Editora
Bertrand. São Paulo, SP. 1992.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Primórdios do conceito de
gênero. Cadernos Pagu. Campinas, SP. n.12. 1999. p. 157-163. Disponível em:
< http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634812 >.
< http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634812 >.
SILVA, Maria de Fátima. A tradição grega em Simone de Beauvoir,
Le Deuxième Sexe. Sapere Aude. Belo
Horizonte. v.2, n.3. 1º sem. 2011. p.74-87.
< http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/2168 >.
< http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/2168 >.
WIKE, Maria Eliza V. M. A transmissão de modelos
femininos e masculinos nos livros infantis. STREY, Marlene N.; RODRIGUES,
Roberta; BALESTRIN, Viviane G. Encenando Gênero: Cultura, Arte e Comunicação.
Coleção Gênero e Contemporaneidade - 5. EDIPUCRS. Porto Alegre, 2008. p.
343-364.
Texto lúcido como sempre,gostei muito.
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