Ela tinha olhos grandes e observadores


Ela está sentada lá, do outro lado da sala, me observando com os olhos grandes e castanhos, levemente esverdeados como duas azeitonas. Ela ainda tem aquele cabelo liso e pesado cortado reto na altura do ombro. Magra, com uma postura péssima, que irá lhe causar muitas dores ao longo da vida. As sobrancelhas espessas formando um vinco no centro da testa, ela não gosta do que vê, sempre foi observadora, mas imaginava que seria mais discreta. 

Eu já estou empertigada na poltrona, as mãos geladas e suadas por causa do nervosismo. Eu sempre fui sensata, ou isso foi algo que apareceu com o passar dos anos? Então eu quebro o gelo e falo:

- Então, o que você está pensando sobre mim?
- Muitas coisas, mas não sei se seria legal dizer.
- Por que?
- Porque seria falta de educação.
- Falta de educação é ser desrespeitoso e agressivo como um animal.
- Então eu posso falar? 

Ela tinha medo de mim, aparentemente.

- Claro!
- Seu cabelo é bonito, mas é muito curto. Não dá nem pra prender. E nossa, você tem uma tatuagem.
- Duas, na verdade.
- Ok, que seja. Continuando, você é bonita, tem amigos, mas e os amigos da escola? Ainda não se dá bem com os primos? 
- Não mantive os amigos da escola, boa parte era má comigo, um dia você vai entender melhor. E com os primos, alguns. 
- Você vai ser professora, isso é legal. Você lê bastante e fala de forma muito elegante. Você é uma artista! Pinta e escreve, ainda é independente, mas, você não preferiria ter conforto? Viajar? Ter coisas? 
- Sim e não, acho que eu tenho tudo que eu preciso. 
- Me diz, o pai sempre diz que mulheres assim, que nem tu, são putas (ela sussurra a ultima parte), tu é uma?
- Talvez, as pessoas acreditam em muitas coisas. Eu também acreditava nisso que tu disse, sofri muito, mas hoje eu sei que isso se chama sexualidade e que ser independente é ser forte. E eu sou forte. 
- Como a mulher maravilha?
- Sim, como ela!
- É, então, eu acho, que você é legal. Tenho orgulho de mim no futuro. Obrigada por essa conversa, eu estava nervosa. 
- E você não imagina como eu estava. Agora, um conselho, não precisa se maquiar pra ser bonita e, pelos são a coisa mais normal do mundo!
- Eca, pelos. 
- É, ok, isso leva tempo. Um dia, quem sabe. 
- Até mais tarde. 
- Até, eu disse, e ela se levantou e foi saltitando até a porta, escorou o rosto no vão, sorriu e a fechou.

E esse post faz parte...


96. Imagine-se os oito anos de idade. O que diria a si mesmo(a)?

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