Levei uma semana para digerir a
visceralidade da obra de Robert Eggers. São tantas camadas subjetivas e
históricas que não sabia por onde começar. Vou introduzir alguns pontos dos
principais que me marcaram, para além do óbvio: figurino e fotografia
impecáveis.
Primeiro ponto, a visão da mulher
na sociedade e papéis de gênero. Segundo, sexualidade. Terceiro, ancestralidade
feminina. Quarto, e acredito, último, mitologia e superstição.
A primeira coisa que mais me marcou no filme foram os papéis de gênero e a solidão feminina vivida por Ellen, uma mulher recém casada que implora para o marido, Thomas não viajar. Thomas, por sua vez acredita que fazendo esse trabalho, daria condições de vida muito melhores para a esposa, mesmo não sendo o desejo dela. Ele, muito inseguro da sua atitude, ainda assim, embarca nessa viagem confusa em busca da recompensa financeira, acreditando ser o dever dele prover financeiramente a companheira que só desejava seu amor e proximidade. Ele viaja, querendo acreditar na intuição da mulher, mas, prefere assumir que são devaneios da esposa doente e emocionalmente instável.
Nesse contexto faço o gancho com
a ancestralidade feminina, quem éramos antes do patriarcado e a memória das sacerdotisas,
bruxas, videntes e curandeiras. Ellen foi maltratada, sangrada e amarrada por
um médico e mesmo assim seus surtos não foram contidos, tinham hora e duração
marcada no relógio. O Dr. Von Franz descobre que ela estava possuída e consegue
resolver o mistério por traz das convulsões. O mais engraçado é que são sempre
as mulheres as possuídas nos textos e filmes, não é estranho? O enredo se
desenrola em torno da busca de como matar o demônio que a possuía e que, agora,
com a chegada de Orlok na cidade, toda a população sendo atacada pela praga.
Thomas de volta, fraco e sob o efeito do Conde Orlok, também vulnerável
sexualmente, já que a possessão dele não foi apenas sugando seu sangue. A confusão
se instaura, porém ninguém da ouvidos à Ellen, cujo Dr. Von Franz elogia
dizendo que “em outros tempos ela seria uma sacerdotisa de Isis”. Ou seja, ele
vê Ellen com todas suas nuances mediúnicas, toda sua carga ancestral e visceral
pulsando e diretamente conectada com a peste trazida pelo Conde.
Em Nosferatu, Conde Orlok e sua
terra natal são repletas de superstições, magia e significados ocultos. Magia,
pactos, dominações, rituais e possessões fazem parte da trama. O diretor
resgata crenças antigas e costumes em um clima envolvente de mistério e, de
leve terror. A incredulidade dos personagens burgueses e intelectuais
contrastando com os camponeses tementes e cautelosos representa muito bem as
culturas patriarcais e matrifocais. Em que no patriarcado a força e o intelecto
são valorizados, enquanto abominam a conexão ancestral com a terra e suas
emoções, sensações e intuições. Dito isso, acredito que o desfecho ao filme foi
bem colocado, quando na cena final, também de fotografia e figurino impecável,
Ellen se doa para Orlok em forma de saciar seu desejo obscuro e salvar o amado
marido. Ela se entrega a sua natureza, profunda, sensível e obscura e mergulha
com fé de que tudo que ela fez será perdoado através do seu sacrifício, afinal,
ela se mostra sim, uma grande sacerdotisa.
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